Posições editoriais: descidas forçadas

Já por aqui manifestei, talvez uma vez ou duas, as minhas profundas reservas ao dispositivo de manifestação de posição editorial utilizado pela Imprensa, designados “sobe e desce”, “elevador”, entre outras.
Um dos problemas desse dispositivo, através do qual os jornais (direcções, editores, redactores-editorialistas…) classificam a “situação” em que fica determinada personagem em consequência de determinados acontecimentos, ou mesmo o seu “desempenho”, é que tais classificações resultam muitas vezes de exercícios excessivamente subjectivos.
Analisando as notícias que os próprios jornais publicam e nas quais se crê que se baseiem para decidir da “subida” ou “descida” das pessoas objecto do tratamento jornalístico, muitos leitores têm certamente leituras diferentes e avaliações diversas e mesmo opostas.
Outro problema é o risco de a vontade do avaliador não só não se basear factualmente nas informações publicadas pelo próprio jornal, mas também de correr sério risco de entrar em contradição com elas.
Salvo melhor opinião, é o que concluo do “Sobe e desce” do “Público” de ontem (última página), que coloca a Presidente da República do Brasil a descer. Fundamento: Dilma Rousseff teria manifestado ao mundo a sua “felicidade” com a polémica decisão, anteontem, do presidente interino da Câmara dos Deputados (câmara baixa do Congresso Nacional) de anular a decisão parlamentar de 17 de Abril, que autoriza a abertura do processo para a sua destituição.
Tendo acompanhado o caso, nesse dia, ao longo de muitas horas, não me recordo de ter visto, como pelos vistos “o mundo” do “Público” viu, “a felicidade de Dilma”. Pelo contrário, vi exactamente aquilo que a correspondente do jornal no Rio de Janeiro viu no que aconteceu em Brasília.
“Dilma Rousseff foi cautelosa ao reagir à decisão de Maranhão”, como bem escreve Kathleen Gomes (página 22 da mesma edição), citando a Presidente rigor: “Não sei as consequências. Por favor, tenham cautela. Nós vivemos uma conjuntura de manhas e artimanhas”.
No Jornalismo, todos os actos e géneros exigem rigor, se não podemos pedir sempre isenção e imparcialidade. Mas naqueles que, como o “Sobe e desce”, traduzem inapelavelmente a posição do jornal sobre um assunto, esse rigor deve ser absolutamente milimétrico. Que há riscos, há. Mas que os assumam quando inventam coisas destas.

Aditamento: Outro exemplo que tratei aqui em 2011

PS: Não sei se alguém no mundo académico se dedicou a estudar aprofundadamente este tema, mas atrevo-me a sugeri-lo como objecto de estudo para teses.

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