Em defesa da STCP e dos transportes públicos*


 

A luta por um serviço público de transporte rodoviário de passageiros à escala da Área Metropolitana do Porto, organizado e gerido de forma integrada, coerente e articulada com outros meios – com destaque para o ferroviário pesado (comboio) e ligeiro (metro – que assegure a cobertura de todos os seus 17 municípios, que sirva efetivamente todas as populações (cerca de 1,7 milhões de habitantes) dispersas por mais de dois mil quilómetros quadrados, constitui uma das mais importantes tarefas dos eleitos da CDU.

Quando nos referimos ao serviço efectivo às populações, falamos da implantação de linhas no território, com horários e frequências fiáveis e compatíveis com as reais necessidades de mobilidade de todos quantos necessitam de deslocar-se, onde quer que se encontrem e para onde quer que necessitem de dirigir-se; assim como falamos da exigência de que sejam servidas por viaturas que obedeçam a critérios de qualidade, segurança e conforto, incluindo a acessibilidade por pessoas de mobilidade reduzida.

Apesar da existência de 29 operadores rodoviários privados e de um público – a STCP – a oferta de transporte está longe de satisfazer padrões exigíveis em termos de cobertura territorial, horários, frequência e qualidade e fiabilidade de serviço. Em muitos concelhos, mesmo no Grande Porto, persistem inúmeros lugares e até freguesias inteiras privadas de transporte colectivo digno desse nome e muitas não possuem sequer ligações directas às sedes de concelho.

Faltam estratégias de transporte e mobilidade concelhias e ao nível da Área Metropolitana que satisfaçam as necessidades das populações e concretizem o direito à mobilidade nas suas dimensões intra e interconcelhia e também metropolitana, na perspectiva do desenvolvimento solidário da região.

Não parece que o concurso internacional para a contratualização do serviço público de transporte rodoviário para a AMP ainda em curso, com vista à entrega do negócio a grandes grupos privados, vá resolver os principais problemas actuais: além da falta ou insuficiente cobertura em inúmeras zonas (na Maia, por exemplo, onde as juntas de freguesia não foram consultadas, a rede cristalizou), também ocorre a sobreposição de linhas, especialmente as da rede da STCP, competindo pela captação de passageiros em zonas em que o rendimento é superior.

Outros elementos centrais desse concurso são, em primeiro lugar, o afastamento da possibilidade de a STCP ser convertida em operador interno do transporte rodoviário na AMP, ou pelo menos, para começar, nos seis concelhos que serve actualmente, possibilidade que PS e PSD rejeitaram, mas que a CDU defendeu e defende. Em segundo lugar, o impedimento de a empresa participar no próprio concurso, o que demonstra que o objectivo é abrir amplo caminho aos operadores privados e comprometer o futuro da STCP, o operador público.

Com a intermunicipalização da empresa e a desresponsabilização do Estado quanto à obrigação de contribuir para assegurar o direito à mobilidade na região, colocando exclusivamente nas autarquias (Porto, Gaia, Matosinhos, Maia, Gondomar e Valongo) a responsabilidade de assumir os encargos do serviço público e também dos investimentos na renovação da frota e de equipamentos, o Governo PS, com a cumplicidade das câmaras e do PSD, colocou a STCP numa situação perigosa.

No Plano de Investimento da STCP para o período até 2024, 56% dos mais de 100 milhões de euros previstos terão de ser assumidos por aqueles seis municípios, além de 79,6 milhões para obrigações de serviço público, o que representará uma factura extraordinariamente pesada, ou impossível de cumprir para várias autarquias. E falta fazer as contas aos encargos com novos investimentos necessários, incluindo em viaturas, a partir de 2025, nas quais o Estado não participará.

Nesta altura, empresa já tem falta de pelo menos quatro dezenas de viaturas e de 80 motoristas para cumprir os horários e a rede actual, que são aliás ainda longe dos que assegurava antes do pacto de agressão promovido pelas troicas e o serviço é incomparável com o que era prestado há duas décadas. Desde 24 de maio, a STCP assegura um reforço de rede aos dias úteis graças à contratação, pela AMP, de várias empresas privadas para a exploração em regime de subcontratação de nove linhas, oito das quais do Porto para zonas de concelhos limítrofes. Trata-se, contudo, de um reforço temporário.

É neste quadro que se desenvolve uma desastrosa estratégia que vai transformar cada vez mais a STCP numa empresa do Porto, com apenas algumas ligações a concelhos vizinhos (desde que rentáveis…) mas sem salvaguardar que os operadores privados deixem de sobrepor linhas suas (risco que o concurso não afasta!), ao mesmo tempo que o operador público está na prática impedido de expandir a sua rede.

Mas é também por causa deste quadro que se torna imperioso converter a STCP em operador interno, consolidando a sua função nos seis municípios que serve e preparando o seu alargamento progressivo aos restantes concelhos da AMP, substituindo os privados à medida que tenha condições para assegurar o serviço com qualidade, o que passa pela responsabilização financeira do Estado.

 

Disse.


* Intervenção na iniciativa pública da CDU Mobilidade e Transportes na Área Metropolitana do Porto, realizada hoje na estação do metro Casa da Música, Porto. A foto é de Adérito Machado

Mensagens populares deste blogue

Jornalismo: 43 anos e depois

O serviço público de televisão e a destruição da barragem de Kakhovka: mais rigor, s.f.f.

O caso Rubiales/Jenni Hermoso: Era simples, não é?