25 de Abril 2012: Razões para estarmos aqui

Desfile da Liberdade, observado na Rua de Fernandes Tomás, no cruzamento com a Rua do Bom Jardim, estendendo-se para além do cruzamento com a Rua da Alegria 
Por que estamos aqui?*

Aqui estamos, de novo, reunidos diante do monumento a Virgínia Moura, para homenagear todas e todos os resistentes antifascistas que tornaram possível este dia há 38 anos:
Aquelas e aqueles que poderiam ter vivido no conforto da indiferença, mas viveram de olhos e ouvidos e coração bem abertos para os problemas do seu Povo;
Aquelas e aqueles que poderiam ter sido cúmplices por omissão, mas denunciaram as injustiças e a opressão;
Aquelas e aqueles que poderiam ter vivido na resignação, mas sofreram provações, foram perseguidos, foram torturados e foram até mortos;
Aquelas e aqueles que poderiam conformar-se com a realidade, mas ousaram lutar pela sua transformação;
Aquelas e aqueles que foram voz e grito de esperança e de alternativas, quando poderiam ter sido silêncio;
Aquelas e aqueles que levaram muito para além dos limites do sofrimento a sua recusa em render-se e fizeram das fraquezas força, e da sua coragem e da sua determinação um exemplo; 
A todas aquelas e a todos aqueles que, ao longo da tenebrosa noite de 48 anos de fascismo, foram abrindo caminhos para que, nessa madrugada redentora, os militares de Abril pudessem hastear a bandeira da liberdade.

Há por aí quem diga que já não faz sentido comemorar Abril, porque as gerações mais novas já nem sabem o que isso foi, pretendendo remeter essa data para os arquivos mais obscuros da memória – e talvez apagá-la de vez.
Mas nós aqui estamos, uma vez mais, reunidos diante deste edifício, que é a memória da repressão fascista, para reafirmar que não esquecemos, que nunca esqueceremos e que tudo faremos para que as gerações futuras jamais esqueçam, que atrás destes muros muitos homens e mulheres sofreram, estiveram presos, foram seviciados, ou foram mortos por ousarem lutar contra a tirania.
Estamos aqui sem pedir licença a quem quer desmemorizar a História; estamos aqui para reafirmar o valor e os fundamentos da liberdade reconquistada há 38 anos: a liberdade para reunir e manifestar-se, para pensar e propor, para agir e exigir.
Estamos aqui convocados pela urgência da memória dos que foram e são o exemplo de dedicação, de coragem e de determinação, lembrando-nos o dever de prosseguir pelos nossos pés a caminhada de gerações e gerações rumo a um futuro mais justo e mais fraterno.
Quase quatro décadas passadas, essa memória interpela-nos, questionando-nos sobre se, no presente histórico que somos,  seremos capazes de agir e de transformar;
Se teremos coragem para abandonar o conforto da resignação e a carapaça da indiferença;
Se teremos força para ousar rasgar o medo que nos tolhe a solidariedade;
Se ousaremos romper o cerco da inevitabilidade que querem impor-nos;
Se queremos dar força às nossas organizações sindicais e lutar nas empresas e em todos os locais onde os direitos dos cidadãos e dos trabalhadores são atacados;
Se seremos capazes tornar as nossas colectividades centros de resistência cultural e cívica à cultura do conformismo e do egoísmo;
Se seremos determinados para fazer da luta um esforço colectivo continuado, organizado e consequente.
É também por isso que aqui estamos a saudar fraternalmente os que continuam a acreditar que há alternativas e que, enfrentando toda a sorte de dificuldades, incompreensões e preconceitos, se batem todos os dias, nas empresas e nos sindicatos, nas fábricas, nos escritórios e nas escolas, nas colectividades e nas organizações políticas, por uma sociedade melhor, mais justa e mais fraterna.    

Estamos aqui reunidos sem remorsos do valioso património das conquistas de Abril que nos foi legado e que uma poderosa ofensiva está a destruir, impondo-nos um dramático retrocesso civilizacional em matéria de direitos fundamentais – ao trabalho digno e com direitos; ao salário justo e à protecção social no desemprego e na reforma; à habitação digna; à saúde e à escola públicas de qualidade; à cultura e ao lazer.
Estamos aqui porque nos recusamos a aceitar que sejam destruídos direitos que custaram a liberdade, sofrimentos e vidas de tanta gente;
Porque não podemos deixar sem resposta aqueles que nos dizem que o mundo mudou e que já não vale a pena lutar por ideais – o mundo mudou, sim, mas para pior, e é urgente mudá-lo para melhor!;  
Estamos aqui, porque não aceitamos o discurso da falência do Estado Social dos que só acreditam no negócio e no lucro;
Porque não aceitamos ameaças de tragédia dos que brandem a espada da crise sobre as nossas cabeças para nos impor sacrifícios que destroem a nossa economia, nos levam à pobreza e empurram os mais fracos para a miséria;
Porque não aceitamos os ralhetes cínicos dos que dizem que andamos a gastar a mais mas continuam a apresentar a factura da crise apenas aos trabalhadores e a encher os cofres de quem mais tem;
Porque não aceitamos a promessa hipócrita dos que prometem melhores dias se aceitarmos, calados e obedientes, a brutal agressão do pacto das tróicas ao serviço da agiotagem da banca e do capital financeiro;
Estamos aqui, enfim, porque não nos rendemos, porque não nos renderemos.

Estamos aqui em festa – em luta, mas também em festa – para reafirmar que o 25 de Abril valeu a pena, mas também para dizer que são muitas e duras as tarefas que nos esperam, mas que as aceitamos com a alegria e a convicção de que a razão e a justiça estão do nosso lado.
E não, não é necessário outro 25 de Abril: o que é preciso é que Abril se cumpra e a sua Primavera refloresça em esperança todos os dias!

Viva o 25 de Abril!
Fascismo nunca mais!
A luta continua!

* Alocução proferida hoje no Porto, na homenagem aos resistentes antifascistas, junto da antiga delegação da PIDE e do busto de Virgínia Moura

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