Os jornalistas e a paz

Intervenção no Encontro pela Paz. A foto é de Adérito Machado


Intervenção no Encontro pela Paz, em Loures, organizado pelo Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC) e por várias outras organizações, unidas numa plataforma e num lema de extraordinário alcance: "Pela Paz todos não somos demais":
    


Caras amigas e caros amigos, 

Permitam-me que vos saúde a todas e a todos, reunidos neste magnífico Encontro, num espaço que ostenta o feliz e auspicioso nome “Pavilhão Paz e Amizade” e sob um lema que nos une e nos compromete – “Pela Paz, todos não somos demais”. 

São muitos – e nunca seremos demais – os que respondem a este apelo a que coloquemos e mantenhamos na agenda das nossas vidas e no rumo da nossa intervenção cívica o imperativo moral de defender os direitos do homem, os direitos dos povos, a igualdade entre Estados, a solução pacífica de conflitos internacionais, a não ingerência nos assuntos internos dos outros estados; e de defender a cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade. 

Somos muitos – e nunca seremos demais – os que, com a Constituição da República Portuguesa[1], preconizamos a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração entre os povos, defendemos o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva que conduza a uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos. 



Na minha profissão, parece consensual o princípio doutrinário de que “o primeiro compromisso do jornalista é com a verdade”, embora ele assuma uma diversidade de significados, com severos efeitos no rigor e na honestidade da informação, com perigosas consequências na formação de uma opinião pública que gostaríamos mais esclarecida e habilitada a tomar decisões. 

Sucede que a verdade se amolda demasiadas vezes aos interesses dominantes, aos preconceitos e a razões nem sempre facilmente escrutináveis pelos leitores, pelos ouvintes e pelos espectadores e até pelos próprios jornalistas, a ponto de ser capturada pela instalação, tantas vezes sem grandes resistências críticas, de discursos belicistas e de narrativas de inevitabilidade tendentes a justificar agressões contra povos e nações, a invasão dos seus territórios, a violação da sua soberania e a sevícia sistemática e destrutiva sobre as suas populações. 

Vimos, ouvimos e lemos isso demasiadas e dramáticas vezes, só para dar exemplos recentes e à vista, no Afeganistão, Iraque, na Líbia, na Síria e no Iémen, numa adesão acrítica à narrativa e à agenda das grandes potências e dos grandes interesses, mas sempre com o cuidado de não estragar o verniz da neutralidade nem colocar em causa o sacrossanto mito da imparcialidade e da independência do jornalismo. 

Sem cumprirmos o dever de verificação e de contrastação, tornamo-nos irremediavelmente cúmplices de uma poderosa e esmagadora máquina do imperialismo e pequenos títeres às ordens dos colossais interesses que ganham todas as guerras independentemente do lado de que dizem estar – ora com o negócio das bombas, ora com negócios montados sobre os escombros de soberanias e a agonia da populações. 



Sucede, a par, o frequente silenciamento, ou pelo menos a desvalorização, das propostas e acções pacifistas, porque a paz não excita os mercados e o tema do desarmamento muito raramente é notícia, a não ser por alguma uma fugaz disrupção na ordem natural das coisas. 

Veja-se o caso do anúncio, há cerca de um ano (6 de Outubro), da atribuição do Prémio Nobel da Paz à Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares, que despertou um interesse muito episódico e que esteve muito longe de ser duradouro na Imprensa. 

É manifesto o desinteresse dos media por exemplo pelo Tratado de Proibição das Armas Nucleares de Julho de 2017 e pela exigência justa que este instrumento coloca ao concerto das nações. 

É manifesto também que a própria ideia de desarmamento e de dissolução dos blocos político-militares é completamente estranha ao sistema mediático. 

Definitivamente, a paz e o desarmamento não vendem jornais nem garantem audiências. 

Talvez a admissão dessa hipótese sirva de consolo para as nossas consciências, e tanto baste para não nos darmos ao trabalho de questionar os interesses da indústria da morte e da destruição, inseparáveis dos interesses económicos e financeiros do capitalismo que tudo comandam, incluindo a agenda, a oportunidade e o discurso dos media. 

Mas é justamente neste ponto que nos devemos perguntar de que servirá o jornalismo se os jornalistas estivermos disponíveis para claudicar em matéria de princípios e para renunciar ao imperativo ético que legitima a nossa missão profissional. 





[1] Cfr. Art.º 7.º

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