Memórias de papel
Suponho
que acontece a muita gente. Em maré de arrumar papéis e velhos jornais e
revistas, cola-se aos dedos a angústia de hesitação – Deito fora?, não deito;
deito fora?, é melhor guardar mais algum tempo… –, dolorosamente espicaçada pela escassez de
espaço. Acontece-me e passo tempos infinitos com sacadas de papelada a disputar
espaço vital à circulação no escritório de casa.
A
coisa explica-se facilmente. Temos sempre muita pena de dar sumiço ao que
começamos por guardar na convicção de que algum jeito nos virá a fazer.
Lembro-me que Eduardo Lourenço confessou, numa entrevista que hei-de ter
algures por aqui, que guardava compulsivamente (esta adjectivação corresponde a
conclusão minha, não creio que o entrevistado a empregasse nessa ocasião)
recortes sem que lhes visse utilidade imediata.
Dá-se
o caso de estar, por estes dias, a desbastar pilhas de papéis e jornais e de
ter dado com o curioso n.º 6911 do jornal “Público”, correspondente à sua
edição de 5 de Março de 2009 – a do 19.º aniversário da publicação – que dedica
um conjunto de páginas ao problema do futuro dos jornais em papel e outro às
gralhas e “disparates” dadas à estampa pelo jornal nesse tempo de vida.
Por
coincidência, o jornal satírico “O Inimigo Público” foi encartado
com o jornal nesse dia. Na última página, o suplemento goza com inevitável humor
com a desenfreada paixão que já então muitos jornalistas dedicavam à rede
social Twitter, “noticiando” que esta passaria a pedir o número da Carteira Profissional.
Nessa
tarde, recebi o telefonema de uma jovem pedindo-me declarações adicionais às
informações atribuídas pela notícia ao Sindicato dos Jornalistas. Nos momentos
iniciais, acreditei que estaria a brincar comigo ou de que alguém estaria a
mangar com ela. Depois, tentei persuadi-la de que a “notícia” não passava de
uma brincadeira do jornal satírico – e lá procurei explicar o que é tal coisa.
Ainda hoje não sei se consegui.
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