É por estas e por outras que o Oscar nos faz tanta falta
O
que disse esta tarde, na Feira do Livro de Lisboa, na apresentação de O Detetive Historiador – Ética e Jornalismo
de Investigação, de Oscar Mascarenhas, agora dado à estampa pela Âncora
Editora:
1. Agradecimentos
Começo
por agradecer à Natal (Vaz) o honroso convite para fazer a apresentação deste Detective Historiador, do nosso querido
Oscar Mascarenhas.
Com
esse convite, a Natal reincidiu nos riscos que o Oscar correu ao convidar-me
para prefaciar o livro, convite que aceitei mais por vaidade e muito orgulho do
que por competência, que é manifestamente pouca.
Agradeço
também aos presentes, pelo gosto de rever muitos de vós – velhos amigos e
camaradas – mas sobretudo pela oportunidade de partilharmos este momento, que é
também de homenagem ao Oscar.
2. Promessa
Quando
o Oscar me convidou para prefaciar este livro, perguntei-lhe que espaço me
dava. Respondeu-me que teria o que quisesse: tinha era pressa.
Ao
cabo de exasperante demora e várias insistências do Oscar, enviei-lhe a minha
obrinha – modesta, mas abusando da sua generosidade em matéria de espaço, com
umas densas 13 páginas A4.
No
dia seguinte, o Oscar telefonou-me a
agradecer. Com o seu magnífico e tantas vezes afiado humor, observou-me: “Agora,
escreves mas dois ou três capítulos e fazes tu um livro…”
3. Sobre o autor
Tenho
o privilégio de ter sido o dirigente que mais tempo trabalhou com o Oscar
Mascarenhas no Sindicato dos Jornalistas.
Da
memória fundamental que dele guardo, destaco a sua vasta cultura, a sua
camaradagem sem limites e, sobretudo, a sua generosidade imensa e o seu amor
sem concessões à liberdade.
Entre
amigos, por graça fraterna e por saudade, lembramos muitas vezes o seu especial
gosto por uma boa polémica.
Ocorre-me,
a propósito, o dito de uma saudosa amiga brasileira:
“Dou um boi para não entrar numa briga; mas, depois de lá estar, dou uma boiada para não sair!”
Dá-se
o caso de, para além do manifesto prazer intelectual que delas extraía, as
inúmeras polémicas que o Oscar suscitou, alimentou e travou resultaram em
enorme proveito para todos nós.
Desde
logo: pela inteligência aguda dos seus questionamentos, pela solidez dos seus
argumentos, pela oportunidade e riqueza das suas reflexões e conclusões e pelas
pontes de convergência de conseguia construir.
O
sindicato, em particular, e os jornalistas, em geral, têm para com o Oscar Mascarenhas uma
dívida imensa, pelo que nos ajudou a vislumbrar para além do que parecia óbvio
e incontroverso.
4. Sobre o livro
É,
justamente, o Oscar, nas suas dimensões humana, intelectual e cívica que vemos
confirmado neste livro.
Deste
Detective Historiador, gostaria de
chamar a atenção para quatro temas que enformaram o pensamento e a acção do
Oscar na sua tenaz, persistente e paciente militância – dentro e fora do Conselho
Deontológico, nas suas colunas de opinião e na sua página de Provedor do “Diário
de Notícias” e, certamente, nas suas actividades académicas.
O
primeiro é a lealdade como condição essencial e absolutamente
inseparável da Deontologia profissional – ideia omnipresente nesta obra e na
qual quantas vezes insistiu ao longo da sua vida.
“As normas deontológicas (…) só podem ser lidas através do filtro da lealdade, colocando-nos na pele do outro para antecipar o que vamos publicar”, avisa Oscar Mascarenhas, convidando-nos a efetuar sempre “a contraprova da lealdade e a interrogarmo-nos: ‘É leal?’”, sem receio de que pareça excesso de cuidados.
“Em matéria de garantias de lealdade, antes sobrem do que faltem”, sugere, pois “ética é lealdade e é uma garantia de que toda uma investigação respeitou as partes envolvidas”.
O segundo tema, igualmente muito caro e em razão
do qual sofreu algumas incompreensões, é o do problema da exigente ponderação
ética da delimitação da esfera da intimidade, tantas vezes violada a
pretexto da notoriedade desta ou daquele personagem, e tantas vezes
ostensivamente postergada sob a invocação do sacrossanto direito à informação.
A propósito, chamo a vossa atenção para um
interessante apenso à tese (que é a base do livro), na qual, recorrendo a uma
metáfora – a da praia –, o desenvolve uma reflexão muito rica sobre os limites,
em definitivo invioláveis, do território da intimidade, desaguando neste belíssimo
axioma:
“À medida que os corpos se despem na praia, menos públicos ficam, mais íntimos são”.
O terceiro tema tem a ver com o complexo e
exigente processo de negociação e aceitação do estatuto de fonte confidencial,
que demasiadas vezes se tem como simples e vulgar.
Ora, se há evidência bem pesada para os
jornalistas é a de que a atribuição desse estatuto só pode decorrer de fundada
excepção, baseada na imperiosa necessidade de proteger a fonte de certos
riscos, na obtenção de certas garantias, na assunção do ónus de ter de provar
os factos e na corajosa recusa de tentativas de instrumentalização.
Infelizmente (e esta terá sido uma das
frustrações do Oscar, não sendo por acaso que tanta batia nesta tecla), entre
os que praticam nos jornais e os que até ensinam em universidades, há muito
quem ignore essas regras ou alegremente as viole…
Finalmente, um tema que o Oscar teve oportunidade
de colocar atempadamente neste livro, como nos projectos de livros de estilo
que elaborou, é aquilo a que chamou o “direito do ouvido”.
Trata-se do reconhecimento do direito,
nomeadamente do entrevistado, de verificar e rectificação das declarações previamente
à sua publicação.
Generosa, muito generosa, mas condenada ao
insucesso pelo menos na fase actual do Jornalismo, a ideia é suficientemente
polémica para gerar posições muito diversas e até antagónicas.
No seu afã de convocar em permanência a lealdade,
para presidir aos actos jornalísticos e reger as leis da arte do Jornalismo, o
Oscar propõe, por exemplo, que se tenha em conta o legítimo direito ao deslize
ou ao lapso, sem que o declarante tenha de ser exposto no pelourinho mediático e
ridicularizado.
Como exemplo, costuma apontar o do Dr. Salgado
Zenha, que, em certa declaração aos jornalistas sobre os preços dos combustíveis,
anunciou a redução do preço “da gasolina que corre nos radiadores dos automóveis”
(cito de memória).
A pretexto da preparação do meu texto de
prefácio, questionei vários jornalistas sobre a hipótese da concessão de tal
direito.
Resultado: Além de ter verificado que alguns
jornalistas sabem menos de mecânica automóvel do que o antigo ministro das Finanças
e da Justiça, conclui que são ainda muitos os que apreciam demasiado colecções
de deslizes estéreis e nutrem o Jornalismo de frivolidades.
É por estas e por outras coisas que o Oscar nos
faz tanta falta!
Viva a liberdade!