Serviço público de pluralismo


A primeira semana de campanha eleitoral “oficial” chegou ontem ao fim, com a RTP e a SIC a alimentar esta entorse dos princípios e garantias de pluralismo informativo a que os operadores de televisão, em especial o de serviço público, estão obrigados.
Os principais serviços noticiosos – da hora de almoço e da hora de jantar – dos respectivos canais em sinal aberto (RTP1, no caso da RTP) apostaram claramente na bipolarização, privilegiando sem pudor a coligação Portugal à Frente (PàF) e o Partido Socialista (PS), oferecendo sistemáticos “directos” a partir de iniciativas suas, e exclusivamente delas, mesmo quando a actualidade era escassa ou até nula.
Os espectadores com espírito crítico mais apurado estarão seguramente perplexos com tal comportamento “editorial”, cujos critérios “jornalísticos” não se entendem e cuja justeza não se vislumbra, dada a flagrante e injustificada ausência de directos a partir de iniciativas das outras listas, como se comprova com a modesta “monitorização” da ilustração, relativa aos telediários em horário nobre.
É provável que os responsáveis editoriais da RTP e da SIC possam alegar que os meios técnicos que possuem são insuficientes para garantir idêntico tratamento a todas as listas. Mas não são seguramente capazes de demonstrar que não há escassez que não comporte um justo critério de repartição do esforço de cobertura em directo por todas elas – uma num dia, outra noutro…
Os espectadores menos atentos estarão mais desatentos quanto às predilecções “editoriais” das televisões, nas quais se nutre com fartura a ideia – nada pluralista e muito perigosa para a democracia – segundo a qual os eleitores irão fatalmente escolher entre uma e outra listas e que as restantes forças contam apenas para colorir o simulacro de democracia.
Dito isto, talvez seja ocioso esmiuçar os conteúdos concretos, não só dos directos mas também das reportagens emitidas, incluindo quanto aos critérios que justificam que a PàF e o PS (e, nalguns casos, também o BE) tenham direito a mais do que um interveniente (no caso da PàF, a parelha de dirigentes; no caso do PS e do BE, vários cabeças de lista), em contraste com o tratamento dado às outras forças, resumidas ao líder.
E, não, não se trata de pluralismo ao cronómetro, mas de procurar garantir com lealdade à massa de eleitores que tem a televisão como fonte predominante, ou mesmo exclusiva, da formação da sua opinião, uma informação plural e diversificada.
Depois, os eleitores escolherão, porque são eles quem elege os deputados. Ou alguém tem medo de escolhas informadas e contrastadas?
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