Por Abril, contra o fascismo, pelo Poder Local Democrático*


             



Mais uma vez, comemoramos hoje a Revolução de 25 de Abril de 1974, com renovada gratidão a todos quantos tornaram possível e realizaram essa madrugada libertadora de há 45 anos – desde a resistência heróica ao longo de 48 anos de fascismo, com o sacrifício de milhares e milhares de democratas, de entre os quais é justo destacar os comunistas, à exaltante explosão de alegria e empenhada acção revolucionária das massas populares, passando pelo planeamento, organização e concretização das vitoriosas operações militares que concretizaram a alvorada de um novo tempo.

Volvido já quase meio século sobre esse feito, celebrámo-lo com o júbilo dos primeiros anos da Revolução – os mais velhos de nós conhecendo de experiência vivida o valor incomensurável da liberdade e da democracia; os mais novos cientes de que, sem a Revolução e as inúmeras conquistas do 25 de Abril, Portugal estaria condenado ao atraso económico, social, político e cultural e prisioneiro de concepções que fatalmente o inviabilizariam como país.

Tantos anos passados e tantas vezes evocada essa madrugada que hoje comemoramos, pode haver quem ceda à tentação de resumir o 25 de Abril a um acontecimento demasiado pretérito, alçado à galeria das efemérides cujo significado se dissipa na bruma da História, ou sepultado numa vala comum de desmemória e de silêncio.

Mas hoje, talvez mais do que nunca na história da democracia, é bom estarmos precavidos para essa espécie de biombo da memória que, subtraindo factos e circunstâncias à consciência colectiva, justifica o branqueamento e a ressignificação de acontecimentos e legitima a displicência em relação às conquistas, quando não alimenta mesmo trágicos retrocessos.

Ao comemorarmos, hoje, 45 anos do fim do fascismo em Portugal, do desmantelamento de um regime iníquo e indiferente a qualquer noção elementar de dignidade da pessoa humana, que vigiou, intimidou, perseguiu, prendeu, torturou e matou quantos se lhe opuseram – e foram muitos! –, não podemos deixar de expressar a maior inquietação com o novo ascenso do fascismo em muitos países da Europa, incluindo com a chegada ao poder, por via eleitoral, de partidos de extrema-direita.

Parecendo porventura estranho ao objeto desta sessão extraordinária e geograficamente alheio à Assembleia Municipal da Maia, esse perigo bem real (as últimas projecções apontam o risco de eleição de 152 deputados de extrema-direita para o Parlamento Europeu) convoca, pelo contrário, a reflexão urgente e a acção determinada de todos nós, em ordem a combater e a afastar, ou pelo menos minimizar, as derivas de que esse dramático perigo se nutre.

Justamente porque o Poder Local Democrático é uma das mais importantes conquistas do 25 de Abril, e também porque são os actores políticos que mais de perto lidam com o concreto real dos problemas, anseios e expectativas das populações, os eleitos locais devem estar na linha da frente desse combate.

Cabe-lhes, independentemente da maior ou menor expressão eleitoral de cada força e da dimensão da respetiva representação autárquica, escutar activamente os cidadãos e, atendendo e interpretando com justeza as suas necessidades e sugestões, apresentar projectos e formular propostas em todas as oportunidades que o sistema democrático proporcione.

Muito longe da via fácil da demagogia e do pelos vistos rendível populismo, o desafio que se apresenta aos eleitos locais é o da elevação permanente da qualidade da sua acção política, na qual a apresentação de propostas, também pela oposição, anda a par com a justa crítica à condução da autarquia pela maioria. 

É isso que procuramos fazer na CDU. E é essa a noção que temos de dever perante as populações que nos elegem – atribuindo-nos a responsabilidade de gestão autárquica ou confiando-nos a sua representação em minoria, tendo sempre em vista a defesa dos seus direitos e interesses e satisfação das suas necessidades.



Quando convocamos o património programático do Movimento das Forças Armadas e do 25 de Abril, do qual ressalta a consigna dos chamados três “D” – Democratizar, Descolonizar e Desenvolver – é forçoso salientar que, se muito caminho se andou desde então, no que tange à democratização e ao desenvolvimento, muito falta ainda percorrer. 

Assim como se deve alertar para o risco de um grave retrocesso que porá em causa importantes avanços e conquistas, à força de tanto quererem acrescentar o verbo Descentralizar, tão precipitada e irresponsavelmente materializado na famigerada Lei n.º 50/2018, fruto de um acordo entre o Governo PS e o PSD.

É patente a dimensão do embuste da pretensa descentralização de competências, que mais não é do que uma transferência de encargos do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, sem que, sequer, seja acompanhada de correspondentes meios financeiros – um embuste de tal monta que nem a lei-quadro nem os diplomas sectoriais tiveram acolhimento neste, como em muitos outros municípios.

É evidente, por outro lado, o elevadíssimo risco – e, aqui, o surperlativo não é abusivo – de a dita descentralização vir a traduzir-se numa entorse aos princípios da Democratização (política, económica, social, cultural…) e do Desenvolvimento (local, regional, nacional…) tão caros à herança da Revolução de Abril, em consequência de uma verdadeira pulverização de competências que, por definição, devem permanecer na esfera do Estado central, sob pena de agravarem ainda mais desigualdades no acesso, por exemplo, à Educação, à Saúde e à Cultura.

De facto, tratando-se de direitos fundamentais que devem ser garantidos a todos os cidadãos, em condições idênticas, onde quer que residam, áreas como estas não podem estar dependentes das distintas dimensões geográficas, capacidades financeiras e diferenças de programa ou de estilo de gestão local. 

Por outro lado, tratando-se também de funções essenciais do Estado, só o Estado, isto é, o Governo e a Administração Central, podem ser responsabilizados pela concepção e execução das políticas públicas e pela qualidade dos serviços públicos que elas implicam.

Como o PCP e a CDU têm alertado, é demasiado elevado o risco de agravamento da degradação da qualidade dos serviços, pela escassez de recursos humanos, técnicos e financeiros a que a dita transferência de competências está condenada.

Não há sequer garantias de reversão, caso, como se receia, a pretensa descentralização falhe, nem de que não venha a transformar-se numa operação capciosa de entrega de mais serviços públicos a interesses privados.

Acresce que, em muitos casos, a engenharia “descentralizadora” efectivamente em marcha acaba por transformar as autarquias locais em meros executores e simples extensões locais da Administração Central, num ataque intolerável à autonomia do Poder Local Democrático, protegido pela Constituição da República, ao mesmo tempo que transferirá para os seus eleitos, do ponto de vista do julgamento popular, a responsabilidade por todos os fracassos.

A circunstância de esta Assembleia Municipal, este órgão deliberativo, ter rejeitado já a transferência genérica de competências, através da Lei n.º 50/2018, e de uma série de competências sectoriais, bem como de preparar-se para, em breve, fazê-lo igualmente em relação a novos diplomas, não ilude o problema, na medida em que, a partir de 2021, ela será imposta aos municípios, independentemente da vontade dos respectivos órgãos executivo e deliberativo.

Estão, assim, na ordem do dia duas discussões que se impõem sem hesitações, com verdade e sem demagogia.

A primeira, manifestamente urgente, já no horizonte das próximas eleições legislativas de 6 de outubro, é a da imprescindível reversão da transferência de competências, com a revogação da respectiva legislação.

A segunda, que as forças concorrentes também devem inscrever nos respectivos programas, é a concretização, enfim, da regionalização, aliás consagrada da Constituição, que há-de ser a pedra angular da reconfiguração das funções competências das administrações do Estado, aos níveis central, regional e local. 

No PCP e na CDU, continuamos coerentemente nesse combate. 

Disse.

* Intervenção na Sessão Solene da Assembleia Municipal da Maia comemorativa do 45.º aniversário do 25 de Abril

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