Pluralismo de circunstância

Deputado António Filipe, do PCP, no último "Prós e Contras", da RTP

Sendo uma obrigação fundamental do Estado assegurar a livre difusão e o confronto de ideias, por maioria de razão cabe aos meios de comunicação social públicos assegurar o pluralismo.



Isso significa que, para habilitar os cidadãos a tomar decisões informadas, seja sobre os negócios do Estado, seja sobre aspectos importantes das suas vidas, pelo menos os media de serviço público devem providenciar, por simples rotina, a diversidade de pontos de vista e de protagonistas, correntes de opinião, ideológicas e  opções político-partidárias.

Se assim acontecesse, a generalidade dos serviços informativos e programas de debate seria sem dúvida muito mais rica e enriquecedora do património democrático e não daria tanto nas vistas o convite a um protagonista para representar uma determinada posição, quebrando a notória rotina da ausências de personalidades representativas de certa área.

Por outro lado, em certos programas, de cujo ritual  faz parte dar a palavra a um conjunto diverso de pessoas, é expectável que tal conjunto seja o mais diversificado possível.

Na passada segunda-feira, o programa da RTP "Prós e Contras", dedicado ao muito direccionado tema "Venezuela à beira do colapso", convidou o deputado comunista António Filipe. Foi uma escolha acertada e António Filipe defendeu com galhardia e a sua proverbial tranquilidade e inteligência os seus pontos de vista e as posições do PCP.

Sucede que António Filipe foi o único, de entre os intervenientes - no palco e na plateia - a defender posições contra a corrente dominante no programa, na orientação prevalecente na generalidade os media e na doutrina de quase todos os partidos.


Batalha ideológica 

Retenhamos: foi o único dos quatro principais convidados no palco; e na plateia não houve qualquer voz dissonante da orientação do programa.

Ora, tendo sido o único poder-se-á ficar com a estranha sensação de que, mais do que alargar o leque de "visões" e multiplicar ângulos de análise (é disso que se fazem os debates...) sobre a situação na Venezuela, se pretendeu isolar o PCP, tentando mantê-lo solitariamente entrincheirado contra o resto do mundo, na dura e desigual batalha ideológica na qual a direita não oferece tréguas.

Sintomático dessa estratégia anticomunista é o estafado temário que informa recorrentemente as estafadas perguntas de algibeira em entrevistas a dirigentes do PCP, sobre a caracterização do "regime da Coreia do Norte" e de outras experiências, tentando identificar contradições e detectar eventual desconforto, como se esse fosse o cerne do programa, das propostas e da acção do PCP.

De facto, são raras, talvez raríssimas, as entrevistas e outras peças que versam com genuíno interesse os conteúdos de documentos tão importantes como o Programa do PCP ou os riquíssimos dados, análises e propostas da "Alternativa Patriótica e de esquerda - Por um Portugal com Futuro" que a maioria do jornalistas que escrevem sobre política seguramente não leu.         

Jornal "i" de 06/02/2019


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