No 44.º aniversário do 25 de Abril


Intervenção proferida no Jantar-convívio comemorativo do 44.º aniversário do 25 de Abril, por amável convite da Associação Conquistas da Revolução - Porto

  


Caros amigos,

O modo mais justo de iniciar uma intervenção desta natureza é saudar, em primeiro lugar, todos os militares que ousaram pensar que era possível, há 44 anos, pôr fim a um regime opressor, que tiveram a coragem de empenhar-se nesse sonho, que empreenderam essa tarefa e que conceberam, planearam e executaram as operações que nessa madrugada redentora devolveram aos portugueses a liberdade.
Devemos, aos capitais e a outros jovens oficiais, mas também aos restantes militares – sargentos e praças – uma palavra de gratidão pela missão a que então deitaram ombros, consumindo largos meses de preparação, muitas horas de vigília, desassossego mas também esperança.  
Não se tratava, como por vezes se quer fazer crer, de, simplesmente, satisfazer interesses corporativos, encontrar um remédio para uma guerra militarmente perdida, de suspender e reciclar um regime esgotado, de afastar uma clique caduca agarrada aos derradeiros vestígios de um poder que já não tinha condições para conduzir, de prometer uma “abertura” dentro dos limites que uma incerta nova ordem viesse a consentir.
Pelo contrário, tratava-se de uma ruptura inequívoca com uma guerra ilegítima, com um regime opressor que não tinha viabilidade porque era iníquo, alicerçado no mais profundo desprezo pela dignidade da pessoa humana e suportado numa máquina de terror que, durante 48 anos, vigiou, intimidou, perseguiu, prendeu, torturou e matou quantos se lhe opuseram e quantos o combateram.
A madrugada redentora cujo 44.º aniversário aqui celebramos hoje sucede-se (e só foi possível graças a ele) a um longo período de esperanças, lutas e sofrimento – das iniciativas e acções legais e circunstancialmente autorizadas à mais dura luta clandestina – sem a qual não teria raiado a liberdade, estrela maior na constelação dos direitos fundamentais que Abril resgatou e que, com Abril, o poder democrático se comprometeu a proteger.
Por isso, temos um imprescritível dever de gratidão para com todas e com todos quantos lutaram e sofreram para que, na esteira das suas esperanças e dos seus sacrifícios, emergisse enfim essa plêiade de militares que franqueou as portas da Revolução e teve a clarividência de celebrar com o povo a aliança sem a qual Abril não germinaria.

Revisitando as conquistas da Revolução e do que delas perdurou, materializado na Constituição da República, podemos olhá-las com orgulho, sobretudo no que tiveram de poder transformador na vida das pessoas, das populações e mesmo das instituições, apesar dos recuos e dos tratos de polé entretanto sofridos.
De entre elas, devemos salientar as que restauraram de imediato a liberdade – através da amnistia dos presos políticos, da extinção das tenebrosas PIDE-DGS e Legião Portuguesa, da abolição da censura e do exame prévio, da instauração dos direitos de reunião e de associação, da consagração da liberdade de exteriorizar o livre pensamento.
Assim como devemos sublinhar as conquistas históricas no domínio dos direitos laborais e sociais – do reconhecimento do direito à greve e da proibição do lock out à consagração do salário mínimo nacional, à generalização dos subsídios de férias e à redução das jornadas de trabalho.
Porque a muitos parecem peças da arqueologia sindical e social, é necessário destacá-las como conquistas históricas sem as quais a vida de milhares ou de milhões de portugueses teria ficado cativa da inevitabilidade que regia, como lei suprema, os destinos pátrios e a sina das gentes: o atraso económico, social e cultural, a cerviz vergada, os olhos baixos – e muito agradecidos a suas excelências!...
Mais de quatro décadas volvidas, estamos enfrentando um grave retrocesso nos direitos que Abril conquistou e a Constituição consagrou em letra de forma. Os valores actuais do Salário Mínimo Nacional deveriam fazer corar de vergonha quem sistematicamente recusa a sua justa actualização, quem é cúmplice desse esbulho de suor, trabalho, engenho, dedicação e quem faz a gestão calculista e demagógica das expectativas daqueles que anseiam condições dignas.
Nunca como hoje se gerou tanta riqueza, mas são obscenas as estatísticas da sua repartição profundamente desigual. E nunca tantos jovens – aliás a geração mais escolarizada de sempre – estiveram reféns de um modelo económico assente numa matriz de baixos salários, jornadas de trabalho extensas e predadoras da própria privacidade, horizontes profissionais tão curtos e tão incertos, e, ao mesmo tempo, agrilhoados por violentos sistemas de “fidelização” aos compromissos bancários e outras formas de escravidão financeira, para satisfazerem as necessidades materiais.

Não há dúvida de que, no quadro das conquistas de Abril e das garantias constitucionais, um direito absolutamente central é o direito à habitação, no qual convergem e se realizam outros igualmente fundamentais: “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, dispõe o número 1 do artigo 65.º da Constituição.
No entanto, são chocantes as carências que ainda hoje persistem. Segundo o levantamento recente – que peca largamente por defeito – mais de 26 mil famílias necessitam desesperadamente de casa. Mas um número igualmente elevado vive em condições de sobrelotação, tantas vezes com pais e filhos partilhando o mesmo quarto e até a mesma cama.
É necessário construir casas novas e sobretudo reabilitar o edificado degradado no centro das nossas cidades, conservando no seu seio as pessoas que lhes deram vida e sentido, mas também fazendo regressar ao lugar da sua memória e ao berço da sua origem as populações expulsas para as periferias, tantas vezes num desterro de indiferença.
Os dias que correm, com um regime de rendas que permite e facilita impunemente a crueldade dos despejos, favorece o maior dos cinismos com os contratos cada vez mais precários no arrendamento (prazos de um ano!) e promove um verdadeiro assalto aos parcos rendimentos, tais são os valores especulativos em crescendo, não auguram senão a segregação económica e social e o risco de uma explosão brutal de nova pobreza.

Caros amigos,
Revisitando o texto fundador da nossa Democracia – o Programa do Movimento das Forças Aramadas –, é forçoso um reencontro com um desiderato central na nova ordem instaurada com o 25 de Abril: o de uma política externa orientada “pelos princípios da independência e da igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos de outros países e da defesa da paz”.
Tal desiderato está igualmente plasmado na Constituição da República, cujo artigo 7.º subordina as relações internacionais aos “princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados”.
Assim como estabelece que “Portugal preconiza a abolição de quaisquer formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, visando uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos”.
Nos últimos tempos, temos assistido, no entanto, a uma perigosa escalada na retórica belicista e a uma expansão militarista e agressiva, apoiada numa suicida corrida armamentista e traduzida em sucessivas intervenções militares ilegítimas, nomeadamente na Síria – só para apontar um exemplo recente e que ameaça agravar-se – das quais poderão resultar consequências imprevisíveis e das quais Portugal, por força daquele imperativo constitucional, não pode ser cúmplice.
As tragédias humanas e materiais da História deixaram-nos extraordinárias lições, até mesmo no que, por vezes, possam parecer-nos cínicas, como a afirmação atribuída ao almirante japonês Isoroku Yamamoto, responsável pelo planeamento do dramático ataque nipónico a Pearl Harbor, em 7 de Dezembro de 1941, e alias apresentado como opositor à escalada militarista do Império do Sol Nascente: “Não é sábio aquele que ganha a guerra, mas aquele que a evita”.
Esta frase reveste, desde há escassas horas, um especial significado e releva de uma profunda preocupação com a nova incógnita que atormenta o Mundo.
Ao final do dia de hoje, o presidente da França, Emmanuel Macron, capitulou naquilo que dizia ser uma convicção indestrutível – a de que não há alternativa melhor, não há plano B para o o importantíssimo Acordo Nuclear celebrado o Irão e os cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança das Unidas e a Alemanha.
Sucede que, esta tarde, numa reunião pelos vistos bastante persuasiva, o presidente norte-americano, Donald Trump, convenceu-o, enfim, de que afinal acordo é mau e que é necessário alterá-lo, torna-lo mais forte.
Esta é uma notícia que gostaria de não ter dado, pelo que augura de ameaça ao extraordinariamente frágil equilíbrio regional e pelo que nos avisa para a precariedade da Paz que atormenta a Humidade, e da qual pouco cuidamos, não obstante todos os progressos do conhecimento e da Ciência.

E, no entanto, também foi pela Paz que Abril se fez!

Viva o 25 de Abril!

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