O sobressalto da Altice e a embaraçosa agonia da ERC


Há pouco mais de um ano, o mercado dos media foi tomado pelo sobressalto do anúncio da intenção da multinacional de origem francesa Altice de adquirir o importante grupo Media Capital, e muito especialmente a estação de televisão TVI, a produtora de conteúdos Plural e o respectivo grupo de rádios, de grande audiência.
Por um lado, o grupo espanhol Prisa, proprietário do «diário global» El País e da Cadena SER, nomeadamente, necessitava de resolver a pesada dívida acumulada com vários investimentos, entre os quais se inclui, precisamente a aquisição da Media Capital, entre outras empresas do portfolio da sua expansão internacional.
Por outro lado, a Altice, que tem feito sucessivos investimentos na infra-estrutura de telecomunicações, internet e meios de comunicação social em França, Estados Unidos, República Dominicana e Israel), bem como em Portugal, com a compra da Portugal Telecom, anseia por possuir conteúdos para a rentabilizar, ao mesmo tempo que somaria um poder de influência no espaço público que nenhum outro operador possui e que representaria uma ameaça muito grave para as garantias constitucionais de não concentração e de diversidade informativa.
Ao longo de 2017, o negócio, anunciado em meados de Agosto como cifrado em 440 milhões de euros, despertou vigilância e preocupação. Entre os motivos, estão a concentração manifestamente excessiva da capacidade de recolher, tratar e difundir informação e entretenimento, isto é, de condicionar o pluralismo e de formatar as opiniões, mas também do controlo do próprio mercado publicitário, como analisa a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), num parecer que não chega a ser um parecer, pelo menos com decisão assumida, para o bem e para o mal, pelo Conselho Regulador.
A consumar-se, o negócio permitira à Altice somar à sua importante colecção de meios (PT, Meo, portal Sapo e TDT) todos os canais da TVI (um generalista, em sinal aberto, e cinco por cabo), as estações de rádio com enorme penetração e audiência Radio Comercial, M80, Cidade, SmoothFM e VodafoneFM, o portal IOL, a produção de conteúdos, a edição musical e eventos e operações no mercado publicitário. Não está sequer descartada a hipótese de aquisição de jornais e outras publicações periódicas.
Trata-se de replicar em Portugal um modelo com lastro preocupante nomeadamente em França, onde a Altice Media detém meios como a revista L’Express, o jornal Libération e duas dezenas de rádios e de canais de televisão (vários da BFM TV e da Sport) – todos também presentes na Internet, através de portais que controla igualmente.
Para construir este império, as dívidas contraídas para a acumulação de investimentos ascendem à preocupante soma de 50 mil milhões de euros, que pelos vistos traz intranquilos os banqueiros, com um volume de crédito tão significativo.   
Mas estão também as práticas laborais do grupo, com o fito de reduzir custos de produção e potenciar mais lucros, de que são exemplos os despedimentos e os «emagrecimentos» forçados nomeadamente na PT, com o recurso a truques como a transmissão de estabelecimentos.
Face à clivagem do fragilizado Conselho Regulador da ERC, que inviabilizou um pronunciamento formal sobre uma matéria da sua competência, mas que, apesar de tudo, produziu um quase parecer elucidativo sobre a avaliação dos riscos da compra e da concentração para o pluralismo, aguarda-se com grande expectativa o desfecho que a Autoridade da Concorrência dará ao assunto, assim como a resposta dos restantes operadores de telecomunicações e de televisão e grupos de media, que se têm manifestado contra esta operação de concentração.
Há quem avente uma aliança entre a NOS e o grupo Impresa (SIC, Expresso, etc.), levando a uma operação semelhante…
A resposta, no entanto, não pode deixar de ser dada pelos poderes públicos e até pelo poder político, sendo necessário colocar na ordem do dia a necessidade de travar as operações de concentração em curso e o sobretudo o regresso da Portugal Telecom ao controlo público, esfera da qual nunca deveria ter saído.
Um papel decisivo deve caber ao novo Conselho Regulador da ERC, finalmente empossado no passado dia 14, ao cabo de um atribulado e comprometedor processo de nomeação, pela Assembleia da República, dos membros para o novo mandato, na realidade findo há mais de um ano (8 de Novembro de 2016) mas artificialmente prolongado, agonizante e gravemente manietado para tomar decisões que exigissem mais do que o consenso entre os três sobreviventes (de cinco) a que o órgão estava reduzido.
O atraso comprometedor na escolha da nova equipa, no âmbito da negociata entre os partidos do arco da maioria qualificada – o PS e o PSD –, e as embaraçosas votações falhadas no Parlamento, com o número de votos favoráveis inferiores aos necessários para garantir a designação de quatro elementos, e, sobretudo, a pugna indecorosa pela «cooptação» do quinto elemento (na prática, agora reiterada, o presidente), ora reivindicada pelo PSD, ora reclamada pelo PS, confirmam a captura do processo pelos dois pelos dois maiores partidos.
Apesar de a Lei da ERC determinar que é aos quatro elementos do Conselho Regulador designados pelo Parlamento que cabe cooptar um quinto membro, devendo os cinco escolher de entre si aquele que presidirá, novamente a escolha envolveu conversações prévias envolvendo as direcções das bancadas parlamentares, a fazer fé no Público[1], o jornal habitualmente bem informado sobre os bastidores negociais.
Enquanto a lei não mudar e não se alterar – para melhor – a composição e a forma de extracção dos membros do Regulador dos media, o Conselho Regulador, e especialmente o seu presidente, continuam a carregar um ónus pesado: o de demonstrar que não estão reféns do poder político que os nomeou, mas também o de resistir às pressões do poder económico (o patronato dos media). Que existem e não são fantasia de conspiradores…



[1] Edição de 29 de Novembro de 2017

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