Más notícias de 2016
1. As Forças Armadas Sírias e seus aliados libertaram,
na semana passada, a cidade de Alepo, com a reconquista dos bairros da zona
leste, que estava subjugada por dezenas de grupos terroristas, incluindo jiadistas,
as diversas metamorfoses da al Qaeda e o que restava do "Exército Sírio de
Libertação", a que a propaganda ocidental e os seus ecos na imprensa
dominante chamam "oposição moderada".
Trata-se de um acontecimento militar e político da
maior relevância. Mas muitas notícias sobre esse desfecho mais pareceram
elegias fúnebres, numa mal dissimulada ladainha complacente com os terroristas
e num incontido despeito em relação ao governo sírio e aos significados que
encerra. Não é por acaso que muitos internautas têm deixado a pergunta: um
terrorista é mau na Europa, mas é amigo na Síria?
A cobertura mediática da situação na Síria é umas
principais marcas do comportamento dos media
no ano que termina, recomendando uma honesta autocrítica dos próprios
jornalistas. Durante muito tempo, foram muito raras – e são aliás recentes – as
oportunidades para a deslocação de repórteres independentes ao terreno. Governos
e media propagaram diariamente
avalanches de informações com origem quase exclusivamente no autoproclamado “Observatório
Sírio dos Direitos Humanos”, uma estrutura de propaganda da oposição síria
baseada em Londres, da qual só se conhece o director, e financiada pela União
Europeia, que aspira ao derrubamento do governo sírio. Raras vezes foram
cruzadas com outras fontes, nomeadamente as agências Síria e russas.
Paralelamente, os grandes meios de informação
deixaram-se capturar pelas estratégias de propaganda dos grupos terroristas,
sucumbindo à eficácia de técnicas básicas para as quais deveriam estar prevenidos.
Um exemplo é a produção e a difusão de imagens chocantes de alegados ataques e
de vítimas, cuja credibilidade não cuidaram de escrutinar. Tão-pouco reflectiram
sobre a narrativa parcial que alimentavam, frequentemente assente na linguagem
obscena do horror, difundindo imagens de “vítimas” de “ataques sírios” ou
“russos” (mas poucas ou nenhumas de ataques de
“rebeldes”…) fornecidas por “activistas”, sabe-se lá com que
credibilidade e com que milagres de encenação e truncagens suspeitas.
O próprio discurso e os conceitos adoptados pelos media evidenciam uma adesão criticável à
demonização do Governo sírio e de Assad, copiosamente referidos como
"regime" e "ditador", enquanto dezenas de bandos
terroristas e mercenários a soldo das petroditaduras da região se diluem
brandamente nessa abstracção noticiosa chamada "rebeldes".
2. O golpe de estado institucional no Brasil, com
a destituição sem fundamento aceitável da Presidente da República eleita, Dilma
Rousseff, só foi possível graças à aliança espúria entre os grandes meios de
informação – e especialmente os grandes grupos de media, nas mãos ou dominados pelas famílias ricas e pelos grandes
interesses – e a grande burguesia e os terranentes golpistas.
Quando os deputados e senadores golpistas do
Congresso tomaram a palavra para, nas sucessivas sessões das duas câmaras, se
pronunciarem sobre a admissibilidade do processo de destituição, primeiro, de
pronúncia, depois, e, finalmente, da sentença, tinham atrás de si um poderoso
lastro de conspiração, com a activa cumplicidade dos grandes jornais e das
principais televisões – o instrumento de incentivo e mobilização das “grandes
manifestações”, que se encarregaram zelosamente de “cobrir”.
Organizadas por chamados “movimentos de cidadãos”
– denominação tão do agrado dos que cultivam o apoio mais menos descarado a
tudo o que, muito antidemocraticamente, cheire a antipartido –, na realidade
comandados ou apoiados por partidos de direita como o PSDB, o chamariz de actores
e outros figurantes de cadeias de televisão e o suporte de empresas e grandes
magnatas, as manifestações e “protestos” foram carinhosa e entusiasticamente
apoiados pelos media.
Tal entusiasmo contaminou a comunicação social portuguesa,
frequentemente incapaz de filtrar a propaganda, incluindo aquela que,
aproveitando a “onda” das investigações da Operação Lava Jato, levava os
cidadãos – lá como cá – a confundir as suspeitas de corrupção com recursos da
petrolífera estatal Petrobras, com os reais propósitos dos promotores: travar
as conquistas sociais, económicas e educativas que melhoraram as condições de
vida do povo brasileiro, como as “reformas” do governo usurpador de Michel
Temer têm vindo a demonstrar.
O mesmo não aconteceu com as manifestações e
outras acções de protesto que inúmeras organizações e movimentos sociais
(sindicatos, movimentos dos sem terra e sem casa, etc.) – esses, sim, com
expressão orgânica e legitimidade sindicáveis e sem rostos encobertos – levadas a
cabo em resposta ao movimento golpista, antes, durante e depois. Na verdade, a Imprensa não passou a prova da imparcialidade e muito
menos a do pluralismo.
3. Com as devidas adaptações e de um modo mais
violento, o mesmo aconteceu em relação aos acontecimentos na Venezuela, onde os
media dominantes – igualmente nas mãos
dos ricos e poderosos que não perdoam as sucessivas derrotas eleitorais
infligidas pelo movimento bolivariano nem os progressos alcançados – foram, e
são, instrumentos estratégicos de primeira importância das contínuas investidas
contra a Revolução.
É chocante o desvelo que a grande Imprensa nacional e estrangeira,
com manifestos reflexos na “cobertura” portuguesa, nutre pela oposição e pelos
seus principais líderes, em paralelo com o desprezo e mesmo ódio que alimenta
em relação ao governo venezuelano e ao presidente Nicolás Maduro. Também ela apoia sem pudor as campanhas e as tentativas
golpistas da oposição, ao mesmo tempo que tenta construir um perfil demonizado
de Maduro e ajuda a criar as condições para o derrube do governo.
A direita revanchista, que tem reconquistado o
poder na região ou que aspira a recapturá-lo, apoiada pelos Estados Unidos e
instrumentalizando as organizações multilaterais como o Mercosul e a
Organização dos Estados Americanos, tem consciência de que o fim da Revolução
Bolivariana a que aspira representaria um grave retrocesso no processo de
emancipação da América Latina face ao domínio neoliberal e imperialista. E os
grandes media secundam-lhe a agenda.
4. Pelos media
portugueses, a pergunta para um milhão de euros é: Quando é que cai o Governo? É
tal ansiedade pela desarticulação da relação de forças na Assembleia da
República, resultante das eleições legislativas de Outubro de 2015, que
permitiu ao Partido Socialista formar governo, fazer aprovar o respectivo
programa e já dois orçamentos de Estado, que a Imprensa mais parece uma casa de
apostas.
Não há entrevista a ministro, dirigente partidário
ou deputado destacado do PS ou de um dos partidos “das esquerdas” que não
contenha a perguntinha sagrada, colocada com mais ou menos perspicácia ou
insistida com mais ou menos arrogância. “Durará até ao fim da legislatura?”; “Quando
vai acabar?”; “Por quem vai quebrar?”; “É uma bomba-relógio que pode rebentar a
qualquer momento?”…
Não, não estamos perante um catálogo de dúvidas
legitimadas por indícios sérios de risco de quebra de compromissos. É razoável
recear que estejamos perante um desejo oculto de que falhe a solução contra a
qual a elite editorial hostil se bateu mal se vislumbrou a “inconcebível”
“aliança contra-natura”, augurando catástrofes e resgates infindos, brandindo
teorias da impossibilidade e bradando aos quatro ventos temores excruciantes
contra as “esquerdas” e as suas ameaças aos mercados e à iniciativa privada,
alinhando – e fazendo-se eco dele – no discurso de mau-perder da direita e
capturada pelas teses antidemocráticas do arco fechado do poder.
Também por cá 2016 não foi um ano bom.
Por essas razões e porque se aprofunda nas
redacções o processo de fragilização da resistência e da própria camaradagem
entre os jornalistas, prosseguindo a campanha de expulsão da experiência, do
espírito crítico e da capacidade reivindicativa, agravando as formas de
precariedade e as condições de trabalho, que intimidam as consciências, limitam
a liberdade e afunilam cada vez mais o pluralismo. Embora isto não explique
tudo, nem desculpe muita da patifaria.