Talvez fosse bom esperar um pouco mais


Diz-se que estão a chegar ao fim as negociações para o acordo que torne possível um rumo alternativo ao percurso de desastre económico e social. Os democratas só podem desejar que seja o mais frutuoso. E nem todos fazem questão quanto à forma que há-de revestir.
A substância política e a criação de condições que tornem consequentes os anúncios de vontade e confiram eficácia à nova correlação de forças, valorizando as oportunidades de convergência e a necessidade de unidade nos momentos e nas iniciativas em que esta seja necessária é que são importantes.
A direita oficial e a direita do PS, assim como os respectivos megafones no aparelho de comunicação social, andam muito nervosos e insistem em soltar toda a vasta corte de demónios que guardam nos armários.
Lá vêm, uma e outra vez, as agências de notação financeira, as “instituições internacionais”, os editorialistas e os analistas brandir receios. E uma centena de patrões subscreveu um manifesto contra os riscos da instabilidade e os perigos – dizem eles – de um entendimento entre o PS, o PCP e o BE.
Entre o tilintar de cutelarias entre o Largo do Rato e a Mealhada, provocações de toda a espécie, certos deslizes verbais próprios da impaciência e os sinais de uma ansiedade pouco avisada, convém não perder a serenidade nem a prudência. Saibamos aguardar os resultados.
Por muito que a direita desesperada procure impor interpretações sobre o sentido concreto dos votos em cada uma das forças que, nestes dias, procuram acordar no denominador comum que possibilite, enfim, uma alternativa real à alternância que teimam em incensar, há uma evidência muito clara: os eleitores quiseram mesmo uma mudança.
Sou testemunha. Em muitas dezenas de acções de campanha nas quais participei, encontrei muita gente com esta pergunta, esta exortação cívica: por que é que a Esquerda não se junta?
Creio que foi já feito caminho no sentido de criar condições nesse sentido, quaisquer que sejam os termos, a configuração institucional, a duração e os limites de um acordo nomeadamente entre o PCP e o PS.
Se, como espero, o acordo for alcançado, não tenho dúvidas de que o PCP saberá continuar a preservar e a valorizar a sua identidade e a sua autonomia, como o fez ao longo dos seus mais de 94 anos de vida – e mesmo nas condições mais adversas, quando se impôs a convergência.
Mas também não restam dúvidas de que tal acordo, e sobretudo o PCP, ficarão sujeitos a um escrutínio intenso como jamais aconteceu; nem, muito menos, de que serão objecto de um permanente patrulhamento por ou através dos órgãos de comunicação social, registando a mais ínfima contradição ou a mais inevitável e insanável contrariedade.
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