ÚLTIMA HORA! PCP continua "pronto para assumir responsabilidades governativas"
Na emissão
de quinta-feira, 27 de Agosto, da rubrica “Tenho uma pergunta para si”, no
“Jornal da Noite” da TVI, a entrevistadora-moderadora questionou o
secretário-geral do Partido Comunista Português sobre a sensacional novidade
dos dias mais recentes, que consiste na afirmação, por Jerónimo de Sousa, de
que “o PCP está pronto para assumir as responsabilidades governativas”.
Quando o dirigente
comunista tentava explicar as condições essenciais para um entendimento com
outras forças – “para realizar que políticas?”, reiterou – , Judite de Sousa
interrompeu-o:
“Nós
conhecemos as propostas eleitorais do PCP, mas só de uma semana a esta parte é
que o ouvimos dizer que o Partido Comunista Português está preparado para ser
governo, e há pouco utilizou a expressão ‘responsabilidades governativas’.
Estamos perante uma novidade”…
Sorrindo, com as
habituais simpatia, cordialidade e clareza, Jerónimo de Sousa respondeu que não
se importa de aclarar o tema, mas foi lembrando que não se trata propriamente
de uma novidade:
“Sabe,
Judite, é que muitas vezes a nossa intervenção (…) nas reportagens das
televisões (…), aspectos que considero importantes são subestimados, não
passam. Quero dizer-lhe, com toda a sinceridade, que esta afirmação não era
nova, não é nova. Mas, de qualquer forma, ainda bem que passou, porque clarifica,
quando alguns procuram definir o PCP, a CDU, como mera força de protesto, (que)
não é.”
Mais acutilante e
inventiva fora a notícia do “Diário
Económico” de 23 de Agosto, forçando, logo no pós-título:
- uma novidade que na realidade não existe; - uma interpretação pouco rigorosa das palavras de Jerónimo de Sousa, citado num despacho da Agência Lusa difundido na véspera e publicado nomeadamente pela Rádio Renascença, pelo “Diário de Notícias” e pela TVI24.
Reza o pós-título:
“Tabuleiro conta com um novo dado: PCP admite assumir responsabilidades se for chamado a isso. Um piscar de olho a Costa.”
E agora o “lead”, destituído de qualquer suporte factual, antes pelo
contrário, como se viu:
“A 42 dias das legislativas um novo dado surge no tabuleiro de xadrez eleitoral: o secretário-geral do PCP admite, pela primeira vez, que o partido está disponível para formar governo.”
Na realidade, a
disponibilidade do PCP para assumir “as responsabilidades que o povo lhe quiser
dar” (cito de memória, desta e de outras intervenções públicas do
secretário-geral), incluindo para “assumir responsabilidades governativas”,
para as quais “o PCP está pronto”, não é coisa recente e tem sido repetidamente
afirmada há anos.
Basta uma rápida procura
num motor de busca na Internet para encontrar essas mesmas afirmações, com as
exactas formulações das dos últimos dias ou com variações de pormenor das
mesmas, desde há muito tempo expressas em actos e em documentos públicos.
A título de exemplo,
podemos encontrá-la:
- Numa notícia do “Jornal de Notícias” em linha de 22 de Janeiro de 2005 (já lá vão dez anos e meio!...), citando Jerónimo de Sousa;
- Num despacho da Agência Lusa publicado, por exemplo, no “Diário de Notícias” em linha em 8 de Dezembro de 2014;
- Num telegrama da Agência Lusa publicado, por exemplo, no diário em linha “Observador”, em 28 de Fevereiro deste ano;
- Na intervenção de Jerónimo de Sousa, em 7 de Julho passado, na apresentação do programa eleitoral do PCP, que aliás teve cobertura jornalística; e
- No próprio Programa do PCP, publicado nessa data,
no qual se lê, com toda
a clareza, sem ambiguidades e logo no segundo parágrafo da introdução (página
5):
“O PCP tem soluções para o país. O PCP é a força de ruptura e da construção de um Portugal com futuro. O PCP pelo seu projecto, acção e coerência está em condições de assegurar as mais altas responsabilidades de governo. O PCP é a força da alternativa, construída num Programa claro de ruptura com a política de direita e alicerçada num percurso marcado por um firme e coerente combate a essa política.”
Mais adiante, na página
8:
“Força reconhecida e testada pelo trabalho e obra ao serviço do povo no Poder Local, o PCP tem não só uma política alternativa, como está pronto a assumir todas as responsabilidades que o povo português lhe quiser atribuir na concretização da alternativa e no governo do País.”
Proposta de reflexão
O incidente, certamente
replicável na análise de incidentes semelhantes de outras áreas da actualidade,
e que pode acontecer – como aconteceu – até com entrevistadores experimentados,
suscita reflexões interessantes, sob ângulos e perspectivas de análise diversos.
Por exemplo:
- A
forma (sistemática, ocasional ou “saltitante”…) como os media cobrem a
actualidade política – ou outra área – designadamente quanto ao grau de
conhecimento (colectivo, da Redacção; e dos jornalistas destacados) quanto
às ideias, propostas, documentos e realizações que os habilitem a uma
cobertura informada;
- O
conceito de “novidade”, a consistência dos factos apresentados como novos,
o respectivo contexto e a relevância para a formação da opinião pública nas
opções de hierarquização dos valores-notícia;
- O
apriorismo, ou mesmo o preconceito, relativamente a esta ou aquele
partido, este ou aquele sindicato, esta ou aquela confissão religiosa ou
corrente estética, clube desportivo ou outra entidade objecto de notícia,
que conduz à sistemática desvalorização de conteúdos muito importantes e
mesmo ao silenciamento – ou quase – das suas propostas;
- As
condições de produção dos media, decorrentes, desde logo, da redução do
número de profissionais nas redacções; da intensidade e da extensão das
jornadas de trabalho; da multiplicidade de áreas temáticas a cobrir
quotidianamente pelo mesmo jornalista, contrariando o aprofundamento
minimamente especializado dos temas; dos ritmos de produção noticiosa e
escassez de tempo e até de disposição para verificar e contrastar
informações; das limitações ao exercício do juízo crítico sobre opções e
decisões editoriais;
- Certas tendências muito perigosas de jornalismo expedito, superficial, senão mesmo preguiçoso ou pelo menos pouco preocupado com o rigor e pouco empenhado em ir além do óbvio ou em questionar-se sobre as aparências de evidência, mas também certas tendências de interpretação desinformada (para não dizer desonesta…) da realidade e dos factos;
- A circunstância de, muito por culpa das condições de produção e também das tendências referidas anteriormente, os processos de produção informativa de muitos órgãos de informação (sobretudo nas edições em linha) assentarem demasiado na mera replicação dos despachos das agências noticiosas, tantas vezes sem adequada contextualização.