O tabu da dívida e os irredutíveis do costume


Há um tema que os partidos do monopólio do poder alternante se furtam o mais que podem discutir, fugindo dele como diabo da cruz, não vá o povo pôr-se a pensar no assunto. É a dívida pública e a manifesta impossibilidade de a pagar com o seu actual peso.
Co-responsáveis por quase quatro décadas de desmandos e cúmplices irrevogáveis na adesão à moeda única, no Tratado Orçamental e no pacto de agressão com a troika, o PSD, o PS e o CDS-PP ora assobiam para o lado, ora decretam a impossibilidade da renegociação da dívida, ora renovam a vassalagem aos mercados.
Se não são eles, são muitos dos opinadores, que pregam no espaço público o dogma da irreversibilidade dos compromissos, atemorizam os eleitores com a ameaça do cataclismo e apodam de “irredutíveis” e “irrealistas” aqueles que defendem tal discussão não só como necessária, mas sobretudo como urgente.

Juros: 5% do PIB de 2014
De acordo com o mais recente boletim estatístico do Banco de Portugal, a dívida pública ascendia, no final de Julho passado, a 227 122 milhões de euros, sendo de recear que, no final deste ano, se mantenha a trajectória crescente do seu valor absoluto, do seu peso insuportável pela riqueza produzida e do encargo esmagador com os juros.
Na realidade, no final de 2014, os 225 280 milhões de euros de dívida pública consolidada correspondiam já a mais de 130% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo muito claras as consequências do seu agravamento desde 2011 (ver quadro seguinte).


Como se sabe, será necessário o sacrifício de décadas para pagar tão elevada dívida, a que acrescem os pesados encargos com o respectivo serviço, que não páram de crescer: em 2014, os 8 319 milhões de euros de juros pagos corresponderam já a 5% do PIB.
Renovando e fundamentando a sua proposta (de há mais de quatro anos) de renegociação da dívida pública – em montantes, prazos e juros –, o Partido Comunista Português (PCP) tem chamado insistentemente a atenção para o insustentável peso do seu serviço no ano em curso, estimado em 8 886 milhões de euros.
Segundo a mais recente Síntese da Execução Orçamental publicada pela Direcção-Geral do Orçamento, os juros e outros encargos da dívida pública ascendiam, em Julho, a mais de 4 509 milhões de euros, mais 6,6% do que no período homólogo do ano passado.

Que fazer? Renegociar!
No seu programa eleitoral – Política Patriótica e de Esquerda, Soluções para um Portugal com futuro –, o PCP aponta como condição indispensável para travar o desastre, relançar a economia e a produção nacionais e promover o desenvolvimento do país, entre outras, a renegociação da dívida pública com a redução do valor nominal dos montantes em 50% e redução do seu serviço em 75%.
Tendo em conta os 225 280 milhões de euros de dívida reportada ao final de 2014 e os 8 319 milhões de euros de juros pagos nesse ano, tal proposta significa a dívida poderia ter-se situado nos 112 640 milhões de euros – um valor inferior ao registado em 2006 – e que os juros poderiam ter sido de apenas 2 145 milhões de euros, ou seja, menos de metade dos encargos de 2006.
Considerando ainda que “o serviço da dívida pública previsto para 2015 é de 8 886 milhões de euros, a redução de 75% deste serviço, significaria pagar apenas 2,2 mil milhões de euros de juros, libertando para investimento público, necessidades sociais e outras despesas do Estado cerca de 6,7 mil milhões de euros (perto do dobro do investimento público realizado em 2014)”, explica o documento (Pág. 27).
De notar que a medida proposta “não incide nenhum corte sobre a dívida na posse dos pequenos aforradores, detentores de certificados de aforro ou de tesouro, da segurança social, do sector público administrativo e empresarial do Estado e dos sectores cooperativo e mutualista”.
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