A câmara secreta do "El País"

Venho chamar a atenção para a magnífica estória no "Público" de ontem, no suplemento "P2", de cuja capa reproduzo o fragmento ao lado, de minha inteira responsabilidade (quanto à delimitação do fragmento, claro). Abre-se e encontra-se um texto distribuído pela área de um buraco da fechadura através do qual o jornalista Nuno Ribeiro nos ajuda a "espreitar" para aquilo que misteriosamente intitula "Na sala do Projecto C".
O texto (a coisa é tão secreta que nem fotos parece haver) conta como os directores dos cinco jornais seleccionados pelo WikiLeaks para darem credibilidade aos 251 mil telegramas diplomáticos mais ou menos classificados se entenderam entre si e com o referido sítio para divulgarem os ditos telegramas (data da erupção mediática incluída).
Mas conta-nos também a mise en scène no seio do próprio "El País" e os cuidados conspirativos necessários à grande operação do século em que uma equipa especial mergulhou durante largo tempo para seleccionar e estudar os telegramas: uma sala sem janelas; paredes cinzentas; uma trintena de computadores; uma máquina trituradora de papel (de segredos, portanto, irremediavelmente reduzidos a fragmentos); "com o óculo da porta tapado por um jornal", calcula-se, claro está, para que ninguém ouse espreitar pelo dito (pena que seja tapado por um jornal, porque um jornal há-de significar, suponho, uma janela debruçada sobre a verdade...); uma sala, numa cave, protegida pelo mais blindado segredo (atenção ao intertítulo "Na cave de todos os rumores") e à qual apenas os ungidos pelo supremo dom de guardar sigilo podem aceder e nela zelar (em sigilo absoluto e estando aliás vedada a utilização da rede informática da casa) pelo esplendoroso tesouro electrónico do senhor Julian Assenge, sem que possam transvasar uma sílaba que seja para um camarada.
"A vida na Redacção passou a ter dois ritmos diferentes. O do quotidiano visível e o da cave. Sem informação, com a vigência do sigilo, apareceram dúvidas. (...) Os jornalistas envolvidos escudavam-se em evasivas sobre a natureza da sua estranha reunião permanente. 'Não posso dizer nada, porque senão despedem-me', respondeu um dia o subdirector Jan Martinez Ahrens. O espaço onde só uns podiam entrar passou a ser a cave de todos os rumores", conta Nuno Ribeiro.
Calculo que essa cave de rumores tenha escavado um bom pedaço a camaradagem entre os jornalistas...
    

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